ESMO

TODOS NÓS A ESMOAutor: Jean Willys É tão pesado carregar o sol de todo dia e as noites que lhe sucedem. Pesa tanto comportar o amor e depois ter que substituí-lo pelo ódio e pela indiferença. Estou tão cansado que as horas parecem pedras difíceis de carregar. Cansado por não estar triste nem feliz, por ter me esvaziado. Um vazio tão grande profundo que o fato de estar escrevendo esta carta não é mais do que o esforço de me preencher. Está ficando insuportável essa busca, já não a aguento mais. Varar madrugadas à procura de alguém se tornou extenuante. Ou você não acha? Concordo: talvez o desgaste não esteja em atravessar as noites dos fins de semana em busca de companhia ao som da dance music. O enfadonho talvez esteja em roçar meu corpo e minha boca em alguém sem história, sem vida anterior nem posterior. O entediante deve estar no subir e descer escadas fingindo não estar à procura, quando todos sabemos que estamos todos à procura. O cansativo está na encenação, nos telefones errados, nos endereços inexistentes, nos nomes falsos e nas mentiras. Sabe, juro que um dia farei um grande poema com todas as falsidades que já ouvi. Olha , eu afirmava, até pouco tempo, que todas as pessoas que comigo se deitaram me desejaram. Já não tenho tanta certeza. Sabe por quê? Porque diante da solidão todos ficamos desesperados, perdemos os critérios e nos agarramos ao que vemos pela frente. E nos enganamos, e aos outros. A solidão nos faz cometer loucuras. Você não acredita? Então passe a reparar nas festas depois das três da manhã, quando todas as esperanças se desfizeram, quando o objetivo do nosso desejo virou objeto nas mãos de outro ( ou outros, há casos), quando percebemos que ainda não experimentamos a língua alheia e que vamos voltar para casa secos. Observe como, nessa hora, atiramos para todos os lados, num esforço de evitar que acabemos mais um dia sós. Precisamos admitir urgentemente que não sabemos amar, que desconhecemos o afeto, e que o amor é para maduros. Se algum de nós, porventura, experimentou o amor, afogou-o em inseguranças por nunca tê-lo visto. Os outros vamos morrer sem conhecê-lo, porque nos recuperamos a vê-lo de frente. Só sabemos trepar e pronto. Cansei de procurar o amor, já que sou incapaz de percebê-lo. Quero a calma das águas da baía para nela atracar o meu barco. Chega de viver à deriva ( ou caminhar a esmo, caso enjoe no mar), eu quero parar. Quero calmantes, refrigerantes e lugar nenhum. Nunca desejei tanto uma rotina quanto agora. Quero essa sucessão insípida: trabalho-casa-trabalho. Prefiro o azul da televi são e o bege dos domingos. Quero tudo isso, mas as noites neutras da semana, para eu não ter de lembrar que não devia procurar e ainda procuro...